Presidencialismo e Parlamentarismo
A importância das instituições
A questão sobre qual sistema de governo é melhor acompanha processos de democratização.
Foi essencial nas transições políticas recentes, quando se elaboraram novas constituições.
As instituições definem:
- Como são selecionadas autoridades executivas e legislativas
- Qual sistema eleitoral será adotado
- Como se distribuem competências entre Executivo e Legislativo
- A quem os governos prestam contas
- Quais os instrumentos de emergência (decretos, medidas provisórias etc.)
- Como evitar a fragmentação excessiva de partidos
O papel das instituições
- Para a ciência política contemporânea, instituições são fundamentais:
- Permitem a cooperação entre grupos sociais
- Estimulam determinados comportamentos de eleitores, políticos e partidos
- Desencorajam outros comportamentos
- Diferentes arranjos institucionais podem facilitar ou dificultar a governabilidade
Difusão internacional
- Cada país democrático tem uma organização política própria, moldada por sua história.
- Há, contudo, ampla difusão de modelos institucionais:
- A Constituição dos EUA inspirou-se em Montesquieu e no governo inglês
- A Constituição portuguesa de 1976 se inspirou no semipresidencialismo francês
- A Constituição espanhola de 1978 adotou a “moção de censura construtiva” do modelo alemão
Avaliação dos sistemas
- As “famílias” de sistemas democráticos têm sido comparadas nos últimos anos.
- Hoje há muito mais dados empíricos que permitem avaliar seus pontos fortes e fracos.
- Mesmo assim, não há conclusões definitivas sobre qual sistema é “superior”.
- O estudo dos sistemas busca orientar escolhas institucionais, sobretudo em novas democracias.
Presidencialismo: definição
O presidencialismo é o sistema de governo em que:
- Há um presidente que acumula as funções de chefe de Estado e chefe de governo.
- O presidente é eleito pelo voto popular.
- Seu mandato, assim como o dos parlamentares, é fixo e só pode ser interrompido por impeachment.
- O ministério é indicado pelo presidente e responde a ele, não ao Legislativo.
Separação de poderes
- O presidencialismo tem origem nos Estados Unidos, sendo chamado também de sistema de separação de poderes.
- Presidente e Congresso são eleitos de forma independente.
- Cada poder desempenha suas funções com autonomia.
- No presidencialismo, o Legislativo não responde pela implementação de políticas públicas, que é tarefa exclusiva do Executivo.
Governo dividido e negociação
- Nos EUA pode ocorrer o chamado “governo dividido”, quando o presidente pertence a um partido e o Congresso é controlado por outro.
- Isso não significa paralisia: é comum a negociação e até cooperação bipartidária.
- Os partidos norte-americanos, em geral, são pragmáticos e pouco coesos, o que facilita acordos.
- No Brasil, com multipartidarismo, prevalece o presidencialismo de coalizão: presidentes buscam apoio de vários partidos em troca de participação no governo.
Produção acadêmica
- Durante muito tempo, a ciência política estudou mais o parlamentarismo do que o presidencialismo.
- Esse quadro mudou a partir do trabalho de Juan Linz, no final dos anos 1980, que questionou a adequação do presidencialismo para a consolidação democrática.
- Desde então, houve grande produção acadêmica sobre:
- Diversidade dos sistemas presidenciais
- Poderes formais e informais dos presidentes
- Papel do sistema partidário na governabilidade
Poderes do presidente
- Os presidentes possuem poderes reativos e proativos:
- Veto (total ou parcial, dependendo do país).
- Decretos com força de lei (como medidas provisórias no Brasil).
- Iniciativa legislativa em áreas críticas, como orçamento, defesa, política militar e tributária.
- O grau desses poderes varia conforme o desenho constitucional de cada país.
Presidencialismo e partidos
- O funcionamento do presidencialismo depende fortemente do sistema partidário:
- Fragmentação pode gerar presidentes minoritários e dificuldade de governar.
- Disciplina partidária fraca leva a negociações individuais com parlamentares.
- Disciplina forte concentra as negociações nos líderes partidários.
- Para evitar paralisia, muitas constituições recentes ampliaram os poderes dos presidentes.
Parlamentarismo: definição
O parlamentarismo é o sistema de governo em que:
- O governo tem legitimação indireta: surge da assembleia legislativa.
- O gabinete é responsável perante o parlamento.
- O governo sobrevive enquanto mantiver a confiança da maioria.
- A assembleia pode ser dissolvida antes do término do mandato, convocando-se novas eleições.
- Além do chefe de governo (primeiro-ministro), existe um chefe de Estado (monarca ou presidente) com funções simbólicas.
Integração entre Executivo e Legislativo
- O parlamentarismo busca uma integração orgânica entre os dois poderes.
- Em alguns casos, como na Grã-Bretanha, há quase uma fusão de poderes.
- Executivo e Legislativo surgem da mesma base, o Parlamento.
- O gabinete é sustentado e, eventualmente, derrubado pela maioria parlamentar.
Diversidade de modelos
- O parlamentarismo não é uniforme, há múltiplas configurações:
- Modelo britânico: bipartidarismo, disciplina partidária rígida, primeiro-ministro dominante.
- Modelo alemão: multipartidarismo, necessidade de coalizões, voto de desconfiança construtivo.
- Modelo italiano: governos de curta duração, com instabilidade semelhante ao presidencialismo brasileiro.
- A configuração do sistema partidário é determinante para o funcionamento do parlamentarismo.
O gabinete
- O gabinete exerce o poder coletivamente.
- Pode assumir três formatos principais:
- Primeiro entre desiguais: primeiro-ministro com supremacia sobre os demais ministros.
- Primeiro entre desiguais moderados: primeiro-ministro com liderança relativa, mas sem controle absoluto.
- Primeiro entre iguais: gabinete formado por coalizões, em que não há hierarquia clara.
Identificabilidade e disciplina
- No modelo britânico, o eleitor sabe antecipadamente quem será o primeiro-ministro, conforme o partido vencedor.
- O sistema é marcado por forte disciplina partidária, que garante a estabilidade do governo.
- Em sistemas multipartidários, como o alemão, há menos previsibilidade: o primeiro-ministro depende das negociações pós-eleitorais.
Estabilidade e coalizões
- O parlamentarismo pode gerar estabilidade quando há partidos majoritários ou coalizões sólidas.
- Mas em contextos de fragmentação partidária, pode levar ao chamado assembleísmo:
- Gabinetes frágeis e de curta duração.
- Negociações constantes e instabilidade ministerial.
- Reformas institucionais (como a moção de censura construtiva na Alemanha e na Espanha) foram criadas para reduzir esse risco.
Governo de assembleia: definição
- O governo de assembleia é uma forma de parlamentarismo com forte fragmentação partidária.
- Caracteriza-se por:
- Gabinetes frágeis, dependentes de múltiplas coligações.
- Mudanças frequentes de governo.
- Falta de disciplina partidária.
- Responsabilidade política difusa.
Perigos do assembleísmo
- A assembleia torna-se soberana, criando e derrubando gabinetes ao sabor da conjuntura.
- O Executivo torna-se submisso ao Legislativo, sem condições de governar com estabilidade.
- A política passa a ser marcada por chantagens constantes entre partidos.
- O verdadeiro poder desloca-se para a burocracia estatal.
Exemplos históricos
- França: as III e IV Repúblicas foram exemplos clássicos de assembleísmo.
- Gabinetes caíam com frequência, incapazes de sustentar políticas duradouras.
- Esse modelo levou a crises de governabilidade e ao descrédito das instituições.
Condições que favorecem o assembleísmo
- Multipartidarismo extremo, sem partido predominante.
- Baixa ou nenhuma disciplina partidária.
- Uso excessivo de moções de desconfiança.
- Coalizões instáveis e constantemente ameaçadas de ruptura.
Críticas de Sartori
Segundo Giovanni Sartori, o governo de assembleia apresenta:
1. Gabinete fraco, incapaz de liderar o parlamento.
2. Poder político disperso e atomizado.
3. Responsabilidade diluída.
4. Disciplina partidária inexistente.
5. Gabinetes incapazes de agir com rapidez e decisão.
6. Coalizões incertas, sempre sujeitas a colapso.
7. Incapacidade de falar e agir com clareza e unidade.
Síntese da seção
- O governo de assembleia é a versão mais instável do parlamentarismo.
- Representa um risco de ingovernabilidade, sobretudo em sistemas multipartidários.
- Experiências históricas mostram que tende a abrir espaço para regimes autoritários.
- Por isso, reformas institucionais buscaram racionalizar o parlamentarismo e evitar o assembleísmo.
Sistema semipresidencial: origem
- Surge na República de Weimar (Alemanha, 1919), mas ganha força com a Constituição francesa de 1958.
- Propõe-se como um híbrido entre presidencialismo e parlamentarismo.
- Busca equilibrar:
- Um presidente eleito com poderes relevantes.
- Um primeiro-ministro responsável perante o parlamento.
Estrutura dual de poder
- O presidente não é apenas chefe de Estado simbólico:
- Nomeia o primeiro-ministro.
- Pode dissolver o parlamento.
- Pode convocar referendos.
- Possui atribuições em defesa e política externa.
- O primeiro-ministro e o gabinete respondem ao parlamento, conduzindo a administração cotidiana.
Funcionamento prático
- Duas situações principais:
- Maioria parlamentar alinhada ao presidente → presidente torna-se figura dominante, PM atua em sintonia.
- Maioria parlamentar de oposição → ocorre a coabitação: presidente mantém funções mais limitadas, e o PM governa com apoio parlamentar.
- A França viveu longos períodos de presidencialismo forte, mas também enfrentou coabitação.
Experiências internacionais
- Portugal (1976): modelo inspirado na França, mas com conflitos de poder entre presidente e parlamento.
- Revisão constitucional de 1982 reduziu os poderes presidenciais, aproximando-se do parlamentarismo clássico.
- Outros países adotaram variantes semipresidenciais, adaptando o equilíbrio de poderes às suas realidades políticas.
Avaliação do sistema
- Vantagens:
- Pode reduzir riscos de assembleísmo.
- Permite flexibilidade institucional em momentos de crise.
- Desafios:
- Possibilidade de conflitos entre presidente e primeiro-ministro.
- Dificuldade de definir claramente responsabilidades.
Síntese da seção
- O semipresidencialismo combina características do presidencialismo e do parlamentarismo.
- Representa uma tentativa de equilibrar estabilidade com flexibilidade.
- Seu funcionamento depende do contexto político e da forma como se distribuem os poderes entre presidente, parlamento e primeiro-ministro.
O debate parlamentarismo x presidencialismo
- A escolha entre parlamentarismo e presidencialismo não é apenas uma decisão técnica.
- Está presente em momentos de redemocratização e em mudanças constitucionais.
- É também tema de intenso debate acadêmico e político.
Críticas ao presidencialismo
- Juan Linz argumentou que o presidencialismo traz riscos para a democracia:
- Mandatos fixos e rígidos → dificultam adaptação a crises políticas.
- “Jogo de soma-zero”: quem perde a eleição fica excluído do poder até o próximo ciclo.
- Possibilidade de governos minoritários com baixa governabilidade.
- Incentivo ao populismo e a lideranças aventureiras.
Defesas do presidencialismo
- Autores como Shugart e Mainwaring destacam pontos positivos:
- Accountability: presidente eleito diretamente pelo povo, com responsabilidade clara.
- Identificabilidade: o eleitor sabe quem governará após a eleição.
- Mandatos fixos oferecem previsibilidade e estabilidade.
- O sistema pode funcionar bem em sociedades grandes e heterogêneas, especialmente na América Latina.
Críticas ao parlamentarismo
- Em sistemas multipartidários, pode gerar:
- Coalizões frágeis e instáveis.
- Assembleísmo, com queda frequente de gabinetes.
- Responsabilidade difusa, reduzindo a accountability.
- Em contextos de fragmentação, dificulta formar maiorias duradouras.
Comparação geral
- Parlamentarismo:
- Flexibilidade para lidar com crises.
- – Risco de instabilidade em sistemas multipartidários.
- Presidencialismo:
- Estabilidade dos mandatos, accountability direta.
- – Risco de impasses entre Executivo e Legislativo.
- Semipresidencialismo:
- Modelo intermediário, com vantagens e tensões próprias.
Conclusão do debate
- Não existe sistema universalmente superior.
- O desempenho de cada modelo depende:
- Da cultura política.
- Do sistema partidário.
- Do desenho constitucional.
- A experiência histórica mostra que a adaptação institucional é mais decisiva que a forma pura do regime.