Teoria da Divisão dos Poderes

Dos antecedentes históricos às revisões contemporâneas

Prof. José de Jesus Filho, PhD

Introdução

  • Objetivo: analisar a teoria da divisão dos poderes a partir de seus antecedentes históricos, fundamentos filosóficos e evolução no constitucionalismo contemporâneo.
  • Fontes principais:
    • Eduardo Domingos Bottallo (2007) – Teoria da divisão dos poderes: antecedentes históricos e principais aspectos
    • Nina Ranieri – Teoria do Estado: do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito
  • Importância: compreender como a separação dos poderes se tornou pilar do Estado de Direito e como vem sendo relativizada no século XXI.

Contexto histórico

  • Teoria surge como reação ao absolutismo monárquico.
  • Cenários decisivos:
    • Inglaterra: conflitos entre Coroa e Parlamento (séc. XVII-XVIII).
    • França: absolutismo dos Bourbons → Revolução de 1789.
  • Bottallo (2007):
    “É na era moderna, mercê da obra de Locke e, sobretudo, de Montesquieu, que a teoria da divisão dos poderes se projeta na plenitude de seu significado técnico e de seu notável valor jurídico.”

Absolutismo inglês

  • Elizabeth I (1558-1603): Parlamento como mera formalidade.
  • James I (1603-1625): direito divino dos reis, atritos com o Parlamento.
  • Carlos I (1625-1649):
    • Petição de Direitos (1628): ilegalidade de prisões arbitrárias e impostos sem aprovação.
    • Dissolução do Parlamento → Guerra Civil.
  • Bottallo: “O Parlamento era convocado, como simples formalidade, somente quando o soberano pretendia decretar medidas de aceitação duvidosa.”

Revolução Puritana e Cromwell

  • Guerra Civil (1642-1648).
  • Execução de Carlos I (1649).
  • República parlamentar → ditadura de Cromwell (Lord Protector).
  • Instabilidade institucional.
  • Guizot (apud Bottallo): “Cromwell foi sucessivamente Danton e Bonaparte, mas nunca logrou fundar um sistema.”

Revolução Gloriosa (1688-89)

  • Deposição de James II.
  • Coroa para Guilherme de Orange e Maria.
  • Bill of Rights (1689):
    • Limitação do poder régio.
    • Julgamento por júri, proibição de punições cruéis.
  • Burns (apud Bottallo): “Seria quase impossível exagerar o significado da Revolução de 1688-89, que assinalou o triunfo final do Parlamento sobre o rei.”

Absolutismo francês

  • Richelieu: centralização política.
  • Luís XIV: L’État c’est moi.
  • Concentração de riqueza e desigualdade tributária.
  • Ausência de representação efetiva → Revolução de 1789.
  • Bottallo: “Na verdade, o retrato da França era dos mais lamentáveis. A liberdade individual estava à mercê do arbítrio do Rei.”

Locke e o governo limitado

  • Segundo Tratado sobre o Governo Civil (1690).
  • Sociedade política criada para preservar vida, liberdade e propriedade.
  • Legislativo como poder supremo.
  • Executivo subordinado, mas com prerrogativa.
  • Locke: “O direito natural permanece como norma eterna para todos os homens.”
  • Bottallo: “Locke pode ser considerado o grande teórico das doutrinas políticas liberais.”

Montesquieu e o Espírito das Leis

  • De l’esprit des lois (1748).
  • Liberdade como meta suprema.
  • Funções: legislativa, executiva, judiciária.
  • Montesquieu: “Todo homem investido de autoridade tende a abusar dela. É preciso que o poder limite o poder.”
  • Bottallo: “Estabelece-se, assim, entre os órgãos fundamentais, um verdadeiro e autêntico equilíbrio (balance de pouvoirs).”

Consolidação nos EUA

  • Constituição de 1787 → separação de poderes.
  • James Madison (Federalista nº 51):
    “A ambição deve poder contra-atacar a ambição.”
  • Thomas Jefferson: “Os poderes estão de tal forma repartidos que nenhum pode ultrapassar seus limites sem ser contido pelos outros.”
  • Modelo institucional que influenciou o constitucionalismo global.

Modelo francês pós-1789

  • Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
  • Constituição de 1791: soberania una e indivisível.
  • Executivo subordinado ao Legislativo.
  • Ranieri: “Os jacobinos visaram afirmar o poder soberano do povo. O Executivo atuaria como simples emanação do Legislativo.”

Benjamin Constant e o Poder Moderador

  • Esquisse d’une Constitution (1814).
  • Quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário, Moderador.
  • No Brasil: Constituição de 1824.
  • Exemplo de adaptação da teoria clássica ao contexto político.

O conceito de instituições (Ranieri)

  • Instituições políticas: controlam o poder.
  • Instituições jurídicas: organizam e estabilizam fenômenos no sistema normativo.
  • Ranieri: “A separação de poderes, as declarações de direitos e o constitucionalismo são instituições que primariamente estruturaram o Direito e a Política.”

A evolução no Estado contemporâneo

  • Hipertrofia do Executivo.
  • Novos mecanismos de controle:
    • Tribunais de Contas.
    • Ministério Público.
    • Ombudsman.
  • Ranieri: “A teoria clássica teria deixado de atender a seus objetivos originais, muito embora não se possa dizer que tenha sido inteiramente superada.”

Globalização e novas configurações

  • Direito internacional e compromissos multilaterais.
  • União Europeia: redistribuição de competências.
  • Ranieri: “É no plano internacional que aplicações sui generis da teoria vêm sendo adotadas, como na União Europeia, que alterou suas funções clássicas.”

Debates conceituais modernos

  • Montesquieu: “poderes” → sentido objetivo (funções).
  • Doutrina moderna: melhor falar em “divisão de competências”.
  • Del Vecchio: “Mais rigorosamente, deveria se falar em distinção de funções.”
  • Jellinek: “A unidade do Estado é compatível com a divisão de poderes, entendida como distribuição funcional.”

Síntese comparativa

  • Locke: Legislativo supremo, direitos naturais.
  • Montesquieu: checks and balances, equilíbrio institucional.
  • Constitucionalismo contemporâneo:
    • Judicialização da política.
    • Executivo fortalecido.
    • Novos mecanismos de controle.
  • Ranieri: “Muito já se discorreu acerca da adaptabilidade das instituições do Estado liberal ao Estado constitucional contemporâneo.”

Conclusão

  • Teoria nasceu como reação ao absolutismo.
  • Locke e Montesquieu: pilares da formulação moderna.
  • Adaptações diversas (EUA, França, Brasil).
  • No Estado contemporâneo:
    • Técnica de limitação do poder.
    • Necessita de revisões diante de novos desafios.
  • Síntese: a separação de poderes continua sendo fundamento essencial da democracia e do Estado de Direito.