Constitucionalismo e o Conceito de Constituição
Introdução ao Constitucionalismo
Origens e Propósito
- O que é o Constitucionalismo? Movimento histórico e político que busca limitar o poder do Estado e garantir a liberdade e os direitos dos cidadãos.
- Sua principal motivação: Superar o absolutismo e o poder ilimitado dos monarcas.
- Marcos Históricos Fundamentais:
- Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688-1689): Limitou o poder do monarca em favor do Parlamento.
- Revolução Americana (1776): Declarou a independência e estabeleceu uma nova ordem constitucional baseada em direitos.
- Revolução Francesa (1789): Proclamou os direitos do homem e a separação dos poderes.
O Artigo 16 da Declaração de 1789
- Significado: Este artigo é um pilar do constitucionalismo moderno.
- Citação: “Toda sociedade em que a garantia dos Direitos não esteja assegurada, nem a separação dos Poderes determinada, não tem Constituição.”
- Implicação: Uma “constituição” é mais do que um simples documento; é um instrumento de garantia de direitos e de organização do poder, essencial para a liberdade.
I. As Eras do Constitucionalismo
1.1 O Constitucionalismo na Antiguidade
Grécia Antiga
- Politeia: O termo grego para “constituição” significava a organização geral do Estado, incluindo a distribuição de cargos e o elemento soberano.
- Democracia Ateniense: Era direta e baseada na participação dos cidadãos (excluindo mulheres, escravos e estrangeiros).
- Aristóteles e a Classificação dos Governos:
- Formas Puras: Monarquia (governo de um), Aristocracia (governo de poucos),
Politeia
(governo da maioria visando o bem comum).
- Formas Corrompidas: Tirania, Oligarquia, Democracia/Demagogia.
Roma Antiga
- Governo Misto: A República Romana é frequentemente citada como um exemplo de governo misto, combinando elementos de diferentes formas de governo.
- Cônsules: Elemento monárquico.
- Senado: Elemento aristocrático.
- Comícios da Plebe: Elemento democrático.
- Importância do Direito: A tradição romana enfatizava a supremacia do direito e que o poder soberano residia no povo.
1.2 O Constitucionalismo Medieval
- Ausência de Estado Centralizado: A Idade Média foi marcada pelo feudalismo e por uma fragmentação do poder.
- Submissão do Rei ao Direito: O Rei era visto como sujeito, e não acima, do Direito.
- Henry of Bracton: Distinção entre
gubernaculum
(prerrogativa do Rei, que não pode ser julgada) e iurisdictio
(poder do Rei, que deve ser exercido sob o Direito).
- A Magna Carta de 1215: Um documento histórico que limita o poder do Rei da Inglaterra, estabelecendo direitos e garantias para os nobres. É um exemplo de “pacto” entre o monarca e os súditos.
1.3 O Constitucionalismo Moderno
- O Nascimento do Estado-Nação: Com a formação dos Estados modernos, surge a necessidade de limitar o poder centralizado.
- O Foco na Limitação do Poder: O constitucionalismo moderno é “militante” ou “polêmico”, pois seu principal objetivo é limitar o poder e evitar a concentração de autoridade.
- Características Essenciais: A garantia dos direitos fundamentais e a separação dos poderes são os pilares deste constitucionalismo.
II. Conceito de Constituição e suas Tipologias
2.1 Conceito Moderno de Constituição
- A Abordagem Jurídica: Uma Constituição é um conjunto de regras que definem:
- A forma do Estado e de governo.
- O modo de aquisição e exercício do poder.
- Os limites da ação governamental.
- Princípios Inegociáveis: A proteção dos direitos fundamentais e a separação dos poderes.
2.2 Constituição: Força Normativa vs. Folha de Papel
Ferdinand Lassalle e os “Fatores Reais de Poder”
- Tese: A Constituição escrita é apenas uma “folha de papel” sem valor se não refletir os “fatores reais de poder” da sociedade (a monarquia, a aristocracia, a burguesia, etc.).
- Perspectiva: Os problemas constitucionais são essencialmente questões de poder, não de direito.
Konrad Hesse e a Força Normativa da Constituição
- Tese: A Constituição possui uma força normativa própria. Ela não é apenas um espelho da realidade, mas um instrumento que busca moldar e ordenar a realidade política.
- A “Vontade de Constituição”: Para que a Constituição seja efetiva, é necessária a vontade da comunidade política em vivê-la e cumpri-la.
2.3 Tipologia das Constituições
- Quanto à Forma:
- Escrita: Consolidada em um documento único e formal (ex: Brasil).
- Não Escrita (Costumeira): Baseada em costumes, tradições e decisões judiciais (ex: Reino Unido).
- Quanto à Estabilidade:
- Rígida: Exige um processo legislativo especial e mais difícil para ser alterada (ex: Brasil).
- Flexível: Pode ser alterada por leis ordinárias, sem um processo especial.
- Quanto à Extensão:
- Sintética: Contém apenas as normas essenciais e materialmente constitucionais (ex: EUA).
- Analítica: Detalha amplamente diversos temas, inclusive aqueles não estritamente constitucionais (ex: Brasil).
- Quanto à Origem:
- Promulgada (ou Democrática): Elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo.
- Outorgada (ou Ditatorial): Imposta pelo detentor do poder, sem a participação popular.
Classificação Ontológica
- Classificação Ontológica (Karl Loewenstein):
- Normativa: A Constituição é efetivamente aplicada e respeitada, servindo como guia para o processo político.
- Nominal: A Constituição tem potencial para ser normativa, mas as condições sociais e políticas ainda não permitem sua plena aplicação.
- Semântica: A Constituição existe apenas para formalizar a situação de poder já existente, sem qualquer intenção de limitá-lo.
A Persistência da Luta por Limitação
- A história do constitucionalismo demonstra a constante busca por mecanismos que limitem o poder e protejam os direitos.
- A Constituição, em seu sentido mais profundo, é um projeto de sociedade que visa a liberdade e a garantia dos direitos individuais e coletivos.
- É um convite à reflexão sobre a importância de garantir que a nossa “Constituição de papel” se torne uma “Constituição normativa”, efetivamente vivida e respeitada.
Referências Bibliográficas
- Fonte Principal: AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. “Constitucionalismo e Conceito de Constituição”. RDP, Brasília, Volume 18, n. 98, 692-742, abr./jun. 2021.
- BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo.
- HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição.
- LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitutución.
- MCILWAIN, Charles Howard. Constitutionalism: ancient and modern.
- SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución.